Ao embarcar com os marinheiros nas caravelas, a Última flor do Lácio[i] não imaginava a
aventura que iniciava. Atravessou oceanos, dobrou cabos, venceu tempestades e
batalhas marítimas, aportou continentes longínquos, subiu rios, desceu colinas,
visitou povos, negociou, cristianizou, declarou guerras, ocupou terras, fez
casamentos, gerou filhos e criou identidades!
Ela, a Língua de Camões, que, ao atravessar
séculos e continentes, também se tornou na de Machado de Assis, Alda do
Espírito Santo, Agostinho Neto, José Craveirinha, Adulai Silá, Baltazar Lopes e
Luís Cardoso.
No seu movimento centrífugo, impôs-se a outras
culturas que, paradoxalmente, dela se apropriaram fazendo-a sua ou criando
outras a partir dela e de idiomas próprios. A adopção da língua portuguesa como
língua oficial nos países outrora colonizados por Portugal e os crioulos de
base lexical portuguesa, espalhados um pouco por todo o mundo, denotam esses
factos.
Porém, o português não saiu ileso dessas convivências. Ao querer impor-se como língua do outro,
este impulsionou-lhe o seu cunho pessoal, introduzindo, (primeiramente ao nível
da oralidade, por falantes pouco escolarizados e, em seguida, ao nível da
escrita, com o desenvolvimento das literaturas desses países) mudanças da
fonética e da sintaxe e inovações lexicais e morfológicas. A evolução da
literatura dos países africanos de língua oficial portuguesa põem bem em
evidência esses fenómenos que autores como, por exemplo, Mia Couto e Luandino
Vieira exploram nas suas obras. O
português do Brasil, com norma própria, é, poderíamos dizer, um exemplo mais acabado da apropriação desse idioma por povos cultural e
geograficamente distantes.
A língua portuguesa ao dar-se enriqueceu culturas pela abertura que lhes proporcionou a
novos universos do conhecimento, mas saiu também enriquecida dessa dádiva, por
ter recebido desses povos contributos que a tornaram numa língua de
convergência de povos falantes de outros idiomas maternos e que através da qual
edificaram identidades e nações.
Hoje o português reúne cerca
de 220 milhões de cidadãos dos 8 Estados[ii]
da CPLP[iii]
que a utilizam como língua oficial e de comunicação comum. Esta partilha
multicontinental fez com que este idioma se impusesse também como língua de
comunicação internacional, tornando-se língua oficial e de trabalho de
organizações internacionais e regionais.
E, assim, num movimento centrípeto, em que os
regionalismos ter-se-ão universalizado, a língua portuguesa, viajante
universal, regressará una e plena na sua diversidade, mas sempre em perpétua evolução,
traduzindo a morabeza[iv]
da convivência dos seus povos e contando os mujimbos[v]
das suas gentes. Uma língua que relatará as conversas das banjas[vi]
dos homens grandes[vii],
cachimbando[viii]
sobre a vida da tabanca[ix].
A língua que o poeta escolherá para cantar o gingar da moçoila enquanto a brisa
leve-leve[x]
lhe afaga os cabelos...
24.05.08
[i] Olavo Bilac (1865-1918), poeta brasileiro e membro
fundador da Academia Brasileira de Letras, no seu
poema A Língua Portuguesa, designa a
língua portuguesa, idioma neolatino, como sendo a “última flor do Lácio”. O Lácio (em latim, Latium; em italiano, Lazio) é uma região da Itália central cuja capital é Roma. O seu nome, originalmente Latium, remete
aos latinos, povo do qual os romanos descendem
e cujo idioma, o latim, tornou-se a língua formal do Império Romano, tendo sido amplamente difundido
nos territórios sob o seu domínio. De enorme importância histórica e cultural,
foi o local onde Roma foi fundada. (www.wikipedia.org)
[ii] Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
[iii] Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
[iv] Amabilidade (Cabo Verde)
[v] Boatos (Angola)
[vi] Conselho, assembleia (Moçambique)
[vii] Idosos (Guiné-Bissau)
[viii] Reflectindo (Brasil)
[ix] Aldeia (Guiné-Bissau)
[x] Devagarinho (S. Tomé e Príncipe)
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