samedi 31 août 2013

A ROSA






-        Olha, vovó!

Maria levantou os olhos do tricô que fazia e olhou para a neta que, a um metro dela, a fixava de olhos arregalados e com um velho livro aberto nas mãos.

-         O que é? – perguntou sem perceber o ar atónito da pequena.                                                 

-         Ali no chão... vê o que caiu deste livro...

A velha senhora seguiu o olhar de Ana e deparou com uma rosa seca caída, quase junto ao seu pé. Serrou os lábios para disfarçar o ligeiro tremor que sentia invadi-los.

-         É uma rosa seca, vovó? - perguntou a pequena.

Maria aquiesceu com um breve sacudir de cabeça, sem poder articular uma palavra.

-         Quem a pôs aqui neste livro? – voltou a inquirir a neta.

Ana sabia o apreço que a avó tinha por esse velho livro. Amor de perdição, lia-se na lombada do mesmo. Desde que se lembrava de si, Ana recordava que sempre vira esse livro no mesmo lugar. Na primeira prateleira da estante da sala, no canto esquerdo. Lembrava-se também que ninguém tinha o direito de mexer nele e que era unicamente a avó que limpava o pó dessa estante para evitar que alguém fosse tentado a tocar no livro. “Por que não posso ler esse livro, vovó?”, perguntara-lhe um dia. “Esse livro é uma relíquia que deve ser conservada e se todos tocarem nele acabará por se despedaçar”, respondeu-lhe a avó, dando a entender que a conversa ficaria por ali. Com o passar dos anos, Ana esqueceu-se do livro proibido até aquele dia em que, querendo apanhar o livro que estava ao lado, desalojou-o involuntariamente quase deixando-o cair ao chão, se não tivesse tido a destreza de o apanhar antes. Mas durante a queda apercebeu-se que algo se desprendia do livro e viera poisar-se perto da avó.

Maria olhava muda para aquela película púrpura em que se tinha transformado a rosa que há mais de 40 anos havia guardado naquele livro. A rosa que simbolizava um parênteses da sua vida, guardado secretamente no canto mais recôndito do seu ser. Um parênteses que pensava ter fechado para sempre e que naquele instante brotava da sua memória com toda a violência de uma força oprimida. Sentiu um aperto no peito e uma enorme angústia apoderar-se dela. Pensou que fosse desfalecer e fechou os olhos. Uma imagem fusca surgiu diante de si. De início não distinguia o que via, mas aos poucos apercebeu-se de um rosto que tomava forma, à medida que o bater do seu coração acelerava. Ali estava o rosto que tanto amara e que tanto a fizera sofrer. E o pior é que depois de tantos anos, voltava a sentir a mesma dor como se o tempo não tivesse passado e deitado o bálsamo do esquecimento sobre as suas chagas... Num instante voltou a encontrar-se na pequena taberna do pai, onde ia de vez em quando dar uma ajuda ao balcão. Recordou-se daquela noite de grande chuva na ilha, em que um homem completamente molhado entrou na taberna à procura de um sítio para se abrigar. O pai, vendo o forasteiro naquele estado, propôs-lhe que mudasse de roupa, emprestando-lhe umas calças e uma camisa. “Sei que caberá nelas duas vezes, mas sempre ficará mais confortável do que nessa roupa molhada”, disse-lhe em tom de graça. Maria foi enviada a casa em busca do necessário enquanto o pai servia um grogue ao recém-chegado, para o aquecer depois daquela molha. Seguia com o coração em alvoroço, sem entender por que razão aquele desconhecido a tinha perturbado tanto. Belo homem, na verdade, mas que sabia ela dele para estar naquele estado entre a excitação e a intimidação? Regressou à taberna com a roupa e entregou-a ao destinatário. A sua mão roçou ligeiramente a dele quando este estendeu a sua para receber o vestuário. Um arrepio percorreu o corpo da jovem, que desviou ao mesmo tempo o seu olhar daqueles olhos penetrantes que a fixavam com doçura. A partir desse dia, o forasteiro aparecia todos os dias à mesma hora. Sentava-se à ponta do balcão e encomendava ora uma cerveja, ora uma água mineral. Maria passou a vir ajudar o pai com maior frequência e olhava com impaciência para a porta da taberna para ver chegar o novo cliente.

Um dia, depois de fazer a sua encomenda, ele dirigiu-se a ela como se a conhecesse há muito tempo. “Olá, Maria! Como vai o negócio?”. Surpreendida, ela ficou sem fala, sem saber o que responder. Vendo a atrapalhação da jovem, o homem reatou logo. “Desculpe-me, nem sequer me apresentei. Chamo-me Celso”, disse estendendo a mão. Maria respondeu ao cumprimento e esboçou um sorriso. “Queria agradecer-lhe pelas roupas do outro dia”, acrescentou. “Oh! As roupas são do meu pai...”, respondeu ela, dando-se logo conta que tinha dito uma evidência desnecessária. Celso riu-se e procurou descontraí-la: “Sim, mas foi você que teve a gentileza de as ir buscar e de pôr a secar as minhas”. Ela respondera-lhe com um sorriso e, alegando ir buscar a encomenda, afastou-se tentado ocultar a euforia que lhe vinha de dentro. Ele falara com ela e dissera-lhe o nome! Celso, Celso, Celso, repetira para si, não para reter o nome que sabia que jamais sairia da sua memória, mas sim para dar um nome ao personagem que invadira inesperadamente a sua vida. As idas quotidianas de Celso à taberna continuaram. Aos poucos, Maria foi-se sentindo mais à vontade e deixava-se estar em animada conversa com ele. Um dia ele propôs-lhe que fossem ao cinema e ela aceitou esperando ansiosamente por esse momento. Iria finalmente vê-lo fora da taberna e a sós! Nesse dia ele esperou por ela na esquina da rua com uma rosa vermelha na mão... Depois veio o primeiro beijo, o tempo dos primeiros afagos e da primeira entrega total e... última também...  Depois... o vazio, as horas intermináveis de esperas vãs. O vigiar constante da porta da taberna com  a esperança de se aperceber do vulto amado. Ele voltaria, ela tinha a certeza! O que se passara entre eles não poderia ser uma simples quimera. Eles amavam-se. Ela amava-o e ele lhe jurara amor eterno. Ele voltaria sim e ela esperaria por ele. Reviver os momentos que passaram juntos dar-lhe-ia a força necessária para aguardar pacientemente. Sentia ainda o calor da sua mão percorrendo-lhe o corpo, deixando-a numa doce excitação. Os beijos ardentes que trocaram e a comunhão dos seus corpos eram a prova da paixão que os unia. Ele voltaria, sem sombra de dúvida! Porém os dias passaram, as semanas somaram-se e os meses se instalaram e de Celso nem novas nem mandado. Sumido, sem deixar traços! Na ilha ninguém parecia conhecê-lo. Celso? Não, nunca ouvi falar, respondiam-lhe sistematicamente. “Talvez tivesse sido alguém desembarcado de um vapor e que regressara à sua origem”, alguém aventou um dia. Na verdade, uns meses atrás acostara na ilha um enorme navio que partira umas semanas depois. Maria recordou-se de um detalhe, um navio atracara no porto num dia de grande tempestade, precisamente no dia em que Celso irrompera molhado pela taberna... Então compreendeu que jamais o teria de volta e que ela apenas fora uma escala na sua vida, mais uma, certamente... Ela que o amara com todo o seu ser e a ele se entregara de corpo e alma. Ele partira sem se despedir dela, num silêncio cobarde, deixando-a só com as suas recordações e uma vida inteira de penitência pela frente, apenas por ter cometido o pecado de o amar sem reservas...

- Foste tu que a puseste aqui, vovó? – A insistência da neta fê-la voltar à realidade.

- Sim, há muitos anos... Colhi-a um dia num jardim. Era uma linda rosa vermelha muito perfumada. Não resisti a tanta beleza e resolvi arrancá-la da roseira. Na precipitação, nem sequer me apercebi que o caule estava cheio de espinhos...

- Não te picaste?

- Oh, sim! Nem imaginas a dor que senti! Mas valeu a pena, pois jamais encontrei rosa mais bela e perfumada em toda a minha vida...

* Foto da rosa extraída daqui /Image extraite d'ici : http://meriamr.centerblog.net/89-rose?ii=1

OS MESTRES DO MUNDO / LES MAÎTRES DU MONDE

OS MESTRES DO MUNDO

Vieram
Levaram tudo
O sonho
A esperança
A vida
Até a realidade varreram
E na azáfama da fuga
O vazio arrancaram
Com medo que engendrasse
Os genes da vida
A luz
E os seus gestos
Denunciassem

Eles...
Os mestres do mundo
Afogaram o sonho
Enforcaram a esperança
Apagaram a vida
Com um sopro
Um estalar de dedos
Um sacudir de ombros altivo...

Senhores de todos os
Destinos
Intocáveis
Nas suas torres de cristal
Roubadas ao suor alheio
Vieram
Levaram tudo
O riso
O pranto
O fôlego
Até os rostos desfigurados
Pela dor
E na azáfama da fuga
Os olhos arrancaram
Para que não os vissem
E os condenassem

Eles...
Os mestres do mundo
Prenderam o riso
Amarraram o pranto
Asfixiaram o fôlego
Num gesto louco
De um estalar de chicote
O olhar altivo...

Deuses do universo
Senhores de todos os
Destinos
Decidindo a vida e a morte
Vieram
Levaram tudo
A dignidade
A modéstia
A honestidade
Até o pensamento
Esvaziaram
E na azáfama da fuga
A consciência perderam
Por não lhe suportarem o peso

Eles...
Os mestres do mundo
Violaram a dignidade
Enterraram a modéstia
Venderam a honestidade
Num abrir e fechar de olhos
Como num truque de magia
O semblante altivo...

Senhores absolutos
Inverteram a escala de valores
À luz da própria imagem
Vieram
Levaram tudo
O pão da boca do faminto
O tecto do desabrigado
Até a História apagaram
Deixando apenas no seu rasto
Humilhação
Impotência
Revolta
Que o povo na dor afoga
Por iguais armas não possuir
Para combater tal violência
Que de igual
Só tem o ódio
Fruto mudo
Da fúria destrutiva!

Eles...
Os mestres do mundo
Criminosos impunes
De consciência tranquila
Barriga farta de ganância
O peito inchado de razão
De uma legitimidade usurpada
Inconscientes da própria ignorância!!!

***

LES MAÎTRES DU MONDE

Ils sont venus
Ils ont tout pris
Le rêve
L’espoir
La vie
Ils ont même balayé la réalité
Et dans l’empressement de la fuite
Ils ont arraché le vide
De peur qu’il n’engendre
Les gênes de la vie
La lumière
Et ne dénoncent leurs gestes

Eux…
Les maîtres du monde
Ils ont noyé le rêve
Pendu l’espoir
Effacé la vie
D’un souffle
D’un claquement de doigts
D’un haussement d’épaules hautain…

Maîtres de toutes les destinées
Intouchables
Dans leurs tours de cristal
Dérobées à la sueur d’autrui
Ils sont venus
Ils ont tout pris
Les rires
Les pleurs
Les souffles
Même les visages défigurés par la douleur
Et dans l’empressement de la fuite
Ils ont arraché les yeux
Pour qu’ils ne les voient pas
Et ne les condamnent pas

Eux…
Les maîtres du monde
Ils ont emprisonné les rires
Ligoté les pleurs
Etouffé les souffles
D’un geste fou
D’un claquement de fouet
Le regard hautain…

Dieux de l’univers
Maîtres de toutes les destinées
Décidant de la vie et de la mort
Ils sont venus
Ils ont tout pris
La dignité
La modestie
L’honnêteté
Ils ont même vidé la pensée
Et dans l’empressement de la fuite
Ils ont perdu la conscience
Car il n’en supportaient plus le poids

Eux...
Les maîtres du monde
Ils ont violé la dignité
Enterré la modestie
Vendu l’honnêteté
En un clin d’œil 
Comme dans un tour de magie
Le visage hautain…


Maîtres absolus
Ils ont inversé l’échelle des valeurs
A la lumière de leur propre image
Ils sont venus
Ils ont tout pris
Le pain de la bouche de l’affamé
Le toit du sans-abri
Ils ont même effacé l’Histoire
Ne laissant derrière eux que
De l’humiliation
De l’impuissance
De la révolte
Que le peuple noie dans la douleur
Car il ne possède pas d’armes semblables
Pour combattre une telle violence
Qui  n’a d’égal que la haine
Fruit muet
De la furie destructrice

Eux...
Les maîtres du monde
Criminels impunis
A la conscience tranquille
Le ventre repu d’avidité
La poitrine gonflée de raison
D’une légitimité usurpée
Inconscients de leur propre ignorance !!!



BEM-VINDOS / BIENVENUS

Olá, Amigos! 

Neste cantinho partilharei convosco os meus momentos de inspiração traduzidos em prosa e poesia. 

Entre ficção e remeniscências, a minha prosa convida-os a visitarem lugares e gentes que marcaram o meu percurso de caminhos cruzados de múltiplos horizontes.

Quanto aos meus poemas não são mais do que “estados de alma", manifestações objectivas de um sentir  muito profundo. Por de trás de cada um está uma forte emoção: alegria, paixão, tristeza, angústia, desilusão ou a ânsia da busca de uma identidade. Sem essa emoção seria incapaz de alinhar dois versos, como não me seria possível escrever um poema por encomenda... E em função do sentimento que me impele para a escrita, o poema  pode ser não só a revelação de um estado, mas ao mesmo tempo uma terapia contra esse estado, na medida em que a sua escrita apazigua-me, deixando-me com uma agradável sensação de libertação. 

Encontrarão aqui  poemas, contos e outros textos que venho escrevendo de há uns tempos para cá, a maior parte já publicados em coletâneas e em sites diversos sob o nome autoral de Filomena Embaló.



Salut, les amis !

Je partagerai ici avec vous mes moments d'inspiration traduits en prose et en poésie.
Entre la fiction et mes souvenirs, ma prose vous invite à visiter des lieux et des gens qui ont marqué mon parcours fait de chemins croisés d'horizons multiples.

Quant à mes poèmes, ils ne sont que des « états d’âme », la manifestation objective d’un sentiment très profond. Derrière chacun d'eux se cache une forte émotion : joie, passion, tristesse, angoisse, désillusion ou l’anxiété de la quête d’une identité. Sans cette émotion je serais incapable d’aligner deux vers, comme il ne me serait pas possible d’écrire un poème sur commande… Et en fonction du sentiment qui me pousse à écrire, le poème peut être non seulement la révélation d’un état, mais en même temps une thérapie contre cet état, dans la mesure où son écriture m’apaise et me laisse une agréable sensation de libération.

Vous trouverez ici des poèmes, des contes et autres textes que j'écris depuis un certain temps, pour la plupart déjà publiés dans des recueils ou sur des sites divers sous le nom d’auteur de Filomena Embaló.