samedi 13 septembre 2014

SUNGUILA*






-   Tia Velha, conta aí uma das tuas estórias !
-   Mjjjjjjjj! Já lhi disse que não sou tua tia! E se sou velha, tu é mais ainda! Ou já esqueceu que quando eu vim morar aqui, ainda minina e moça, tu já tava a criar caruncho aí no teu poleiro?! E que estória tu quer pra eu te contar? Já te contei todas as minha estória!
-   Eh!eh! Bons tempos aqueles em que eras menina e moça! Ainda me lembro do teu ar de gazela, cabeleira frondosa e aqueles brincos doirados que trazias em cachos. Eras mesmo um pedaço!
-   É, você quer me adoçar minha boca pra ver se eu conto! Ma não conto, não!
-   Deixa-te de fitas! Conta lá aquela do dia em que a polícia te foi visitar!
-   Hummmm... só conto si você cantar pra mim!
-   Cantar?! Sabes bem que perdi a minha voz depois de tantos anos em silêncio. Conta essa da polícia. Não te lembras?
-   Como não mi lembro! Nunca tive tanto medo na minha vida... Só por causa dos safado daquêlis minino!
-    Safados? Mas são os teus queridos meninos que sempre defendeste e com cujas patifarias te deleitavas! Os teus maravilhosos alunos do liceu!
-   Com leite ou sem leite, eles foram mesmo uns safado dessa veiz. Tu lembra bem como eu dizia sempri pra eles parar com aquelas conversa mêsmo aqui dibaixo da minha janela.
-   Mas afinal o que diziam eles?
-   Hum! Conversa de genti grande, qui minino de liceu não deve falar.
-   Mas que conversa?
-   Hum! Política...Luta... Indipendência... Genti do mato, sei lá! Muita coisa não entendia mêmo. E falava também dum barbudo qui si chamava Maxismo. Isso é nomi de genti?!
-   Não é maxismo, mas sim marxismo e não é nome de ninguém. É uma teoria criada por um homem, de facto barbudo, que se chamava Karl Marx.
-   E como é que tu quer que eu sei? Não andei na escola como você que virou mestre! Pequinininha, comecei minha vida na quitanda a vender o fruto do meu suor!
-   Mas conta lá! O que disseram os polícias?
-   Ué! Ninguém falou! Chigou só e começou a dar porrada nos minino. Tem dois qui consiguiu fugir nas traseira do meu quintal e depois saltou nos campo de jogo do liceu. Os qui ficou levou bué de porrada...
-   Muita tareia.
-   Quê?
-   Os que ficaram levaram muita tareia.
-   Ué? Não é a mêma coisa?
-   Não é, não!
-   Ué?! Então porquê você me corrigiu si não é a mêma coisa?
-   É o mesmo acto, mas dito de uma maneira mais... correcta. Bem, mas isso não importa, que eu já desisti de te ensinar a falar como deve ser... Nem com todos esses anos a escutar conversas de estudantes tu conseguiste aprender!
-   Ché! Pára de mi insultar! Você queres dizer qui sou burra?
-   Nada disso, minha amiga! Estou só a brincar contigo!
-   Hum! Mjjjjjj....
-   Acaba lá a tua estória. O que fizeram os polícias a esses meninos que levaram tare... bué de porrada?
-   Viu que você também fala como eu?!
-   He! He!
-   Bem, os policia carregou os minino e levou tudo na esquadra e no dia seguinte veio um policia aqui na minha casa com o doutor do liceu...
-   Com o Reitor do liceu?
-   Esse mêmo, esse que manda aí no liceu. Sabe quê que o polícia falou pra êli? Si os minino não pára de vir juntar aqui no pé da minha janela, êlis deita meu muro abaixo! Você viu se eu ficava mêmo sem muro? Agora é qui os safadinho entrava mêmo no meu quintal pra roubar meu ganha pão!
-   Mas esse teu muro nunca os impediu de entrar e ir roubar o teu ganha pão!
-   É, nisso tu tem razão! E ainda se era pra comer! Mas muita veiz era pra atirar nos camião dos monangambé! Os coitado já ia no castigo na carroça do camião e inda levava com coisa nas cabeça! Era mesmo uns safadinho, mas eu gostava muito dêlis. Cabeça rijo da idade, mas não era mau, não senhor! Só brincadeira!
-   De muito mau gosto, na maior parte das vezes!
-   Chê! Não jagera.
-   E-xa-ge-ra.
-   Lá vem você outra veiz! Daqui a pouco mi calo de veiz!
-   Mas acaba lá a estória da polícia e do muro. Os meninos voltaram a vir para o teu muro?
-   Durante uns tempo não e dipois veio outros. Esses aí uns tinha cabelo comprido como as minina e vestia camisa com florzinha. Ai ué! Me ria tanto! E as calça, você si lembra daquelas calça qui parecia saco di boca pra baixo? Mas não voltaram mais com aquelas conversa di política. Só fumar uns cigarrinho qui êlis mêmo enrolava.
-   Isso também não devia ser muito católico!
-   Eh! Juventude! Sabi uma coisa? Tenho muita saudade daquêli tempo. Mi lembro qui quando caiavam o muro do liceu, caiavam o meu também. Agora já ninguém caia...
-   É, velhos tempos minha amiga, mas agora os tempos são outros, os meninos já não têm tempo para brincar! A vida está dificil.
-   Difícil mêmo! Vender fruta já não chega pra viver! Agora é só esperar nossa hora...
-   Hi! Tanta desanimação! Qual nossa hora! A gente está aqui ainda para durar! Deus é pai e a Virgem é mãe! Vais ver que tu ainda hás-de voltar a vender a tua fruta e a ter o teu muro caiado. E eu vou recuperar a minha voz! E ainda vais ter muitas estorias de meninos para contar, pois eles voltarão a sentar-se no teu muro!
-   Ai! Mestre Sino das Torre! Só memo você pra adoçar a boca daqui da Maria Manguêira!

* Sunguila (t. Kinbundo): Passar a noite a conversar, geralmente a contar histórias