mardi 31 décembre 2013

SERÁS TU? / EST-CE TOI ?



Ao Luiz,

Serás tu
a dar-me
de beber
o cálice do Amor
e fazer-me
provar a ternura
dos afagos interditos? 

Serás tu
a entrelaçar-me
nos teus braços
e a embebedar-me
com o extâse
dos teus beijos? 

Serás tu
a estender-me
a tua mão
e a guiar-me
pelos campos floridos
de amores perfeitos? 

Serás tu
aquele por quem suspiro
o amor perfeito
dos meus sonhos insatisfeitos? 

Ou por ventura
meu amor
serás tu
apenas
a projeção da minha ânsia
a ilusão dos meus temores
o fruto da minha demência
na busca de um amor perfeito...? 

Paris, 20/07/09 


***


EST-CE TOI ?

Est-ce toi
qui me
feras boire
le calice de l'amour
et qui me feras goûter
à la tendresse
des caresses interdites?

Est-ce toi
qui m'envelopperas
dans tes bras
et qui me rendras ivre
de l'extase
de tes baisers?

Est-ce toi
qui me tendras
ta main
et qui me guideras
à travers les champs fleuris
"d'amours-parfaits"? (*)

Est-ce toi
Celui pour qui je soupire
l'amour parfait
de mes rêves insatisfaits?

Ou alors
                                        mon amour                                        
est-ce toi
seulement
la projection de mon angoisse
l'illusion de mes craintes
le fruit de ma démence
dans la recherche d'un amour parfait...?

Paris, 20/07/09



(*) Pensées (fleurs); traduction littérale du nom en portugais "amores-perfeitos" 

lundi 30 décembre 2013

A MULHER DO BARULÁ


forum-dessin-peintur.graphforum.com

- Taíbooo!
- Nam?
- É a terceira vez que te chamo!
Taíbo largou precipitadamente a corda de saltar e foi a correr responder à mãe. Quando Binta prolongava a última sílaba do seu nome era sinal de impaciência e que ela devia despachar-se a ir ter com ela. Caso contrário viria buscá-la com um puxão de orelha, bem doloroso. Binta estava já à porta da morança com a cabaça à cabeça e Djenabo, a irmãzinha de Taíbo, às costas. Ia buscar água à fonte, como todas as manhãs, logo cedo. Taíbo acompanhava-a para ajudá-la a trazer Djenabo no regresso, enquanto a mãe carregava a cabaça da água. Mais tarde, quando as suas forças o autorizassem, seria ela a encarregar-se dessa tarefa, sozinha. Por enquanto parecia-lhe uma obrigação agradável, que fazia com prazer, como se fosse um passeio. A mãe seguia à frente e ela ia saltitando atrás, parando de vez em quando para apreciar à sua volta uma ou outra coisa que lhe parecesse interessante: uma borboleta colorida, voltejando por cima da sua cabeça ou uma cabra desgarrada do rebanho, aos balidos chamando pelos outros. Depois corria para apanhar a mãe, que jamais esperava por ela. “ Tenho mais que fazer do que ficar aqui à tua espera!”, dizia-lhe sem abrandar o passo, quando Taíbo lhe pedia que fosse mais devagar.
Quando chegaram à fonte, nessa manhã, reinava uma grande algazarra no seio do mulherio, que também viera à cata da água. Ao verem Binta a aproximar-se, calaram-se todas e uma delas falou bem alto para que fosse ouvida:
- A Binta irá certamente ajudar-nos!
- O que se passa? - Indagou  a interpelada admirada. - Em que posso eu ajudar?
- O Saini e a Mariama vão ter que deixar a tabanca! - Disse uma das mulheres.
- Porquê?
- Então não sabes o que se passou?
- Não!?– Binta arregalou os olhos, como era seu hábito, quando alguma coisa lhe escapava.
- As cabras do Saini comeram toda a hortaliça do lugar do Calilo e ele não quer pagar os prejuízos. Há dois anos atrás, aconteceu o mesmo e as coisas acabaram por ficar sem reparação. Mas desta vez o Calilo apresentou queixa ao Chefe da tabanca que decidiu que o Saini terá que se mudar para um outro lado, se não pagar os estragos. A Mariama está desesperada! Diz que o marido não tem dinheiro e não sabem para onde poderão ir. Com essas cabras indisciplinadas, nenhuma tabanca vai aceitá-los!
- É bem feito que corram com eles! - Gritou uma outra mulher.- Por que razão não tomam conta das suas cabras como toda a gente faz?! Até parece que fazem de propósito!
- Nisso tens razão, parece mesmo provocação! - Aquiesceu Binta - mas deve haver uma outra alternativa à expulsão deles…
- Era isso que algumas de nós queríamos pedir-te … O teu marido poderia falar com o irmão, e pedir-lhe que mudasse a pena…
- Vou ver o que posso fazer - concluiu Binta, com segurança.
Naquele instante Taíbo sentiu-se orgulhosa da mãe! Bastara uma palavra sua para que a barafunda acabasse! Ela continuava serena como se nada tivesse passado, segura do seu poder, perante os olhares admirativos das outras, cujos maridos em quase nada podiam influenciar o Régulo da tabanca. Encheu a cabaça de água, entregou Djenabo à irmã e tomou a direcção de casa.
Binta era a terceira mulher de Serifo Baldé, irmão e barulá do Régulo de Maná. Era alta e esbelta e vestia-se com gosto. Ela mesma escolhia os modelos para os seus bubus bordados e complets que Saico, o velho costureiro da tabanca, cosia com deleite por apreciar o bom gosto da sua cliente. Nunca se esquecia do lenço a combinar, amarrado de um jeito que até parecia um chapéu. “Uma mulher deve cuidar da sua imagem”, dizia à filha quando ela vinha sentar-se ao seu lado, para vê-la escolher a roupa que usaria numa ocasião especial. Era a mulher mais elegante da tabanca e por isso alvo de muita inveja por parte das outras, que a achavam pretensiosa. Para elas Binta não passava de uma impostora, que agia assim só para chamar a atenção do marido. Serifo Baldé conhecera-a numa ida a Sintchã Baciro e, pelo que consta, ficara subjugado pela sua beleza. Um mês mais tarde, Binta chegou à tabanca feita noiva nova. Ele mesmo tratara do casamento e, ao que parece, sem ter consultado as suas duas mulheres. Tinha uma certa preferência por ela, que mal conseguia dissimular, embora se esforçasse por isso.
Quando chegaram a casa vindas da fonte, naquela manhã, Binta parecia preocupada. Mariama era sua prima irmã e a perspectiva de a ver numa afronta inquietava-a. A sua expressão só se desanuviou depois de ter chamado o marido à parte, após a janta. Foi ele que adoptou um ar sério depois de se ter separado dela. Binta reapareceu serena, no seu jeito habitual, como se tivesse transferido para os ombros do marido o peso que lhe esmagava o peito.
Foi com um ar preocupado e um passo apressado que Serifo se dirigiu à morança do Régulo que ficava na tabanca vizinha. Não seria coisa fácil convencer o irmão a mudar a decisão, pois sabia que este não tinha Saini em muita estima desde os tempos em que, ainda rapazes, disputaram-se por cauda de uma mesma badjuda. Além disso, havia que convencer também o chefe da tabanca a voltar atrás com o seu veredicto. Ao aproximar-se da morança, viu de longe que Mamadú, o Régulo, não estava só no seu bentém. O fumo que saía do seu canhoto era sinal de que a pequena assembleia analisava uma questão de suma importância, pois Mamadú só fumava canhoto quando precisava de se concentrar para tomar uma decisão importante. Vir falar do problema das cabras do Saini num momento desses não seria a decisão mais acertada. Mas mesmo assim, encheu-se de coragem e dirigiu-se ao bentém.
- Salamalecum – saudou tocando com a mão direita no seu peito.
- Malecumsalam – responderam em uníssono os presentes.
- Peço desculpas se vos interrompo... – Disse, indo directo ao assunto, deixando de lado o ritual das saudações individuais em que cada um indaga sobre a vida da morança dos outros e dá notícias sobre a sua própria família, num compasso marcado por “djam’tuns” que vão sendo pronunciados cada vez mais discretamente.
– Sabes bem que estamos ocupados, mas se nos interrompes é porque deves ter um motivo muito forte – redarguiu Mamadú.
– Bem... Na verdade, o que aqui me traz pode parecer irrisório comparado com a questão que vocês estão a debater...
– Diz o que te traz e deixa-te de rodeios! – Ordenou o irmão com um ar impaciente.
– É sobre o Saini e a história das cabras...
– Mas esse problema já foi resolvido pelo chefe da tabanca! O que é que há mais? – retorquiu o Régulo.
– É precisamente a decisão do Corca que causa problema... O Saini tem que abandonar a tabanca com a sua família e as cabras e não sabe para onde ir! Queria pedir-te que interviesses para que essa decisão seja anulada e definisses um outro castigo...
– Serifo, sabes bem que não gosto de intervir na gestão dos problemas dessa natureza das tabancas. Isso é da competência do chefe. Não é a primeira vez que o Saini cria confusão na tabanca por causa das suas cabras. Ele teima em não querer amarrá-las e deixa-as andarem por todo o lado. Não tenho tempo para me ocupar disso agora!
Serifo retirou-se sem acrescentar palavra alguma. Sentiu que não estava à altura para fazer face ao irmão. Regressou à sua tabanca cabisbaixo, sem saber o que dizer a Binta que tinha depositado toda a sua confiança nele.
– O Mamadú recusou-se a mudar o veredicto? – Perguntou-lhe incrédula a mulher quando lhe contou a conversa tida com o irmão – Isto não vai ficar assim, não! Amanhã irei eu mesma falar com o teu irmão. Como pode ele aceitar a expulsão de membros da sua própria família?
– Não creio que consigas convencê-lo. Trata-se do Saini... Ele não gosta dele por causa de velhas rivalidades – tentou dissuadi-la o marido.
– Ora aí está! Precisamente por ser por causa de velhas histórias de combossaria não é justo que a sentença seja dessa natureza. Já imaginaste um só instante que as outras tabancas poderão rejeitá-lo também por causa do motivo que o leva a deixar a nossa? Amanhã bem cedo irei falar com o Mamadú!
Quando o sol despontou na manhã seguinte, Binta estava já pronta para a sua viagem até à morança do cunhado. Vestiu-se a rigor, escolhendo o melhor dos seus complês. O lenço elegantemente amarrado à volta da cabeça, deixava sair quatro grossas tranças que contrastavam com os brincos coloridos e longos que pendiam das suas orelhas. Serifo, ao ver a mulher naquele aparato, sentiu uma ponta de orgulho porém mitigado por uma ponta de ciúmes, pois sabia o efeito que Binta provocava em todos os homens.
– Irei contigo – disse-lhe.
– Não! Irei sozinha. A tua presença só atrapalharia. Pedirei a um dos rapazes que me acompanhe – respondeu decidida.
Montada num burro e acompanhada por Abasse, filho de Serifo e Djuma, sua primeira mulher, Binta dirigiu-se à tabanca do Régulo com a firme convicção de que voltaria com uma nova sentença para o caso das cabras de Saini. Ao transpor o crintim da morança de Mamadú rejubilou-se quando viu o cunhado sozinho sentado no bentém e matabichando o seu incortornável badadje da manhã. Mamadú apercebeu-se da sua presença e levantou-se logo para acolhê-la.
– Salamalecum! – Disse a cunhada.
– Malecumsalam! – Respondeu o Régulo aproximando-se dela.
– Como vai essa saúde? – Perguntou Binta, dando início aos cumprimentos.
– Djam’tum. – Redarguiu o Régulo.
– E a tua mulher Djenabu?
– Djam’tum.
– E a Aua?
– Djam’tum.
E assim prosseguiram até que cada um se inteirou da saúde de cada membro da família do outro, não esquecendo de perguntar como iam as colheitas e as alimárias... Terminadas as praxes das boas-vindas, Mamadú que raramente recebia a visita da cunhada sem ser acompanhada por Serifo, deixou escapar a sua curiosidade:
– Cunhada, o que te traz por cá a uma hora tão matinal e sem a companhia do teu marido? Não me digas que vocês se zangaram? – Gracejou para esconder a sua curiosidade.
– Não, não nos zangamos. Sabes bem que não tenho motivos para me zangar com o teu irmão...
– Como também sei que caso fosse o caso tu jamais aceitarias que outros resolvessem o teu problema – acrescentou Mamadú, rindo, pois conhecia bem a reputação da cunhada como “senhora do seu nariz”.
– Ainda bem que sabes disso! – Disse ela retribuindo com uma risadinha. – O que me traz cá – disse, enquanto se sentava no banco que o cunhado lhe indicava – é essa história do Saini e das suas cabras e da decisão do Corca.
– Ah! Eu devia desconfiar! Tenho a certeza que foste tu que enviaste o Serifo ontem... – Enquanto falava Mamadú agitava o indicador direito em direcção a Binta. – Mas que queres que faça se o Corca já tomou uma decisão? É ele o chefe da tabanca.
– E eu que pensava que tu fosses o Régulo de todo o Maná!... Que desilusão a minha! – Aventurou-se a cunhada olhando-o nos olhos e fingindo um grande desprezo.
– Mas eu sou o Régulo de todo o Maná! – Respondeu num tom mais elevado e manifestando uma certa irritação. Não se tratasse de Binta já teria corrido com a visitante. Mas aquela mulher tinha um poder qualquer que lhe escapava e ao mesmo tempo o subjugava.
– Ai é? Então prova-me agindo como um Régulo e não como um antigo rival! – Provocou, num desafio que sabia ser perigoso. A qualquer momento ele poderia correr com ela e com isso criar problemas com Serifo. Porém Binta não vacilou um só instante e continuou a fixá-lo ostensivamente. Ela sabia que tinha ido longe demais, ultrapassando os limites permitidos a uma mulher e ainda mais em relação a um Régulo. Mas ao mesmo tempo sentia que se queria salvar a família da prima, seria ali ou nunca. Mamadú desviou o olhar e deixou escapar um suspiro. Passou a mão pela cabeça pelada e recostou-se na sua cadeira de descanso. Que ridículo ele se sentia! Deixar-se desrespeitar por uma mulher, pela mulher do seu irmão mais novo, ainda por cima! Que afronta tão grande! Mas Mamadú não se atreveu a tomar a decisão que se impunha. “Que mulher!”, pensou. “Será ela assim com o Serifo no seu dia-a-dia?”. No seu íntimo travava-se uma luta entre o exaspero e a admiração que a cunhada provocava em si. Permaneceu calado ainda por alguns momentos que pareceram uma eternidade para Binta. Por fim, esfregando o rosto com ambas as mãos, acabou por falar:
– Anularei a decisão do Corca apenas com uma condição: que sejas tu a responsável se as cabras do Saini voltarem a criar a zizânia na tabanca. Essas cabras estarão a partir de hoje sob a tua responsabilidade. A ti caberá vigiá-las de agora em diante. E o Saini terá que dividir  
com o  Calilo, neste e no  próximo ano, as suas colheitas hortícolas e oferecer-lhe uma cabra para cada uma das duas  próximas festas religiosas.
Binta respirou aliviada e mostrando já uma certa docilidade respondeu ao cunhado:
– Aceito as tuas condições. Podes crer que tudo farei para que essas cabras não voltem a estragar o lugar de ninguém. Agradeço a tua compreensão e o Saini ficar-te á eternamente grato pela tua condescendência. Agora tenho que ir andando. Sou eu que tenho o fogão esta semana e a manhã já está avançada.
Levantou-se e ajeitou a prega da saia. Com a elegância de uma gazela apartou-se do cunhado que permaneceu no crintim, provavelmente a tentar compreender a cena que acabara de viver. Entretanto ouviu Binta a dizer enquanto se afastava:  “Deus é grande!”. Mas ela não pôde ouvir o comentário que Mamadú sussurrou entre dentes: “E tu não ficas atrás!”



Glossário
Badjuda : moça
Badadje: prato feito com arroz e iogurte e regado com óleo de palma
Barulá: conselheiro do Régulo
Bentém: lugar coberto com esteiras, onde os habitantes da morança se reúnem para conversar e onde em geral são recebidas as visitas.
Bubu: camisão
Canhoto: cachimbo
Combossaria : rivalidade
Complê: vestuário feminino composto de duas peças, saia e blusa
Crintim: cerca feita em esteira
Impostora: atrevida
Janta: almoço
Lugar: horta
Morança: conjunto de habitações da mesma família
Nam (t. fula): mamã
Noiva nova: nova esposa, a última esposa

Régulo: rei, autoridade máxima tradicional

PRESENTE DE NATAL

Cerâmica de Lourdes Vieira


No olhar perdido
Do menino
Espelha a tristeza
Vida de luta 
Que o destino lhe deu


Menino de criação
Menino de recado
Menino de lavoura
Menino pastor
Partiu para longe
Em busca da vida
De sol a sol
E pela noite fora
Quando o breu é mais breu
E o gargalhar das hienas
Ecoa  ao longe

Menino triste
De tenra idade
Não sabe ao certo
Há quantas chuvas
Entristeceu!
Apenas sabe
O que a vida ensinou
O temor do chicote
O frio da noite
E a fome constante...

É Natal
E o menino está triste
Não vê as luzes
Nem as guirlandas
Prefere a magia
Do esplendor das estrelas
Fieis companheiras
Das noites sem breu

Amedrontam-lhe os risos
Dos outros passantes
Lembram-lhe  hienas
Em noites de breu!

Dá-me um sorriso
Menino tristonho!
É festa
É Natal
Dá cá tua mão
Em troca recebo
Um olhar lacrimoso
Menino tristonho
Deixou de sorrir...

Ofereço-lhe uma bola
E ele diz-me que não!
Dou-lhe um carrinho
E ele diz-me
Não quero!
E um pedaço de pão?
Também me diz não!

Menino triste
Não sabe brincar?
Não joga à bola?
Não quer comer pão?
E ele diz-me que não!

Não quer um presente?
Ai! Ué! Quero sim!
Mas que presente
Menino tristonho?
Quero um presente
Que ninguém pode dar
Quero um afago
De mil abraços
Quero a ternura
De mil venturas
Quero perder-me
No doce regaço
Da minha mãe!


Dezembro de 2008 

jeudi 26 décembre 2013

O CHORO

Fonte: teemix.aufeminin.com



Ainda o sol não tinha despontado, quando Tia Maninha, com uns sessenta e tantos anos bem contados na pontada, subia, com a ligeireza dos seus tempos de badjudessa, a avenida que ela teimosamente continuava a chamar Avenida da República. É que essa história da troca dos nomes das ruas depois da Independência só servia para lhe baralhar a cabeça. Coisa muito complicada mesmo, que não dava para entender! Então, se a vila de Teixeira Pinto se passou a chamar Cantchungo, porque razão o chofer do táxi se riu dela, no outro dia, quando lhe pediu que a levasse até à estátua de Cantchungo, ali na Mãe d’Água? 

Como de costume, Tia Maninha tinha combinado com as suas mandjuas encontrarem-se em casa de Nha Arminda, para juntas seguirem para o choro de Nhu Djon, falecido na véspera. “Coitado de Nhu Djon! Chegou mesmo a sua hora. De nada lhe valeram as idas à baloba nem os mècinhos do mouro. Paz à sua alma. Amém! ” dizia para consigo tia Maninha enquanto acelerava o passo e avançava no sereno da manhã. Mais um bocadinho e chegaria à casa de Nha Arminda, que ficava mesmo ali atrás dos Bombeiros. 

Todas as manhãs era esse o seu primeiro trajecto, quando da sua Mansoa natal vinha passar umas semanas a Bissau. Depois seguia com a manjuandade toda animar os choros e polir as calçadas da capital, não fossem as circunstâncias, dir-se-ia até alegremente... Por vezes iam a três num mesmo dia, porque acompanhar os mortos é coisa sagrada e, um dia, quando ela morresse, também gostaria que lhe fizessem companhia... 

Naquela manhã, a nobre missão de velar o morto tomava ares de cerimónia oficial, porque Nhu Djon, antigo varredor da Câmara antes da Independência, era pai de dois combatentes da liberdade da Pátria, sendo um deles um Membro actualmente. Certamente que a nomenclatura viria falar mantenhas de choro e as coisas teriam que ser feitas a preceito. Haveria que ajudar as parentes do falecido a preparar o cuscus, que seria servido com o café, logo cedinho. Depois viria a cena à volta do morto, durante a qual cada uma, entre gritos e lamúrias, despejava um rosário de elogios ao defunto que, só pelo facto de ter morrido, passara a ser a melhor pessoa do mundo. Havia também as mensagens a dar, que o defunto deveria levar aos falecidos, quase sempre as mesmas  transmitidas a cada morto que velassem. 

- Nhu Djon, diga à minha vizinha Maria Té que não se preocupe com o marido. Na vizinhança, olhamos todos por ele. Que ela peça só a Deus que lhe dê forças e saúde-recomendou Tia Maninha, enquanto enxugava os olhos com as costas da mão. 

Tudo isso ela fez com a devida solenidade, não por ser um caso especial, mas por ser esse o seu carácter: o dever deve ser cumprido e bem cumprido. Tinha ganho o seu dia e mais uma graça de Deus de que Ele não se esqueceria quando chegasse a sua hora de entregar a alma ao Redentor. 

Com a sensação do dever cumprido, despediu-se e pôs-se a caminho da casa  do sobrinho, onde habitualmente ficava alojada quando vinha a Bissau. Naquele dia, como saíra ainda de madrugada, não vira ninguém e nem pôde avisar que não esperassem por ela para o almoço. 

O sol começava a declinar e dentro de alguns minutos cairia a noite. Tia Maninha ia atravessar a rua diante da Segunda Esquadra, quando viu no passeio do outro lado uma multidão de gente à porta de uma casa. 

“O que terá acontecido?”, perguntou-lhe a sua curiosidade. 

Para lá se dirigiu e entrou no quintal da casa. Foi até à varanda e viu umas quantas pessoas vestidas de preto e sentadas nas cadeiras colocadas ao longo das paredes. “Um choro!”, concluiu rapidamente Tia Maninha e logo tomou os ares próprios à circunstância : rosto fechado, patenteando uma pena visível. 

- Não posso deixar de ir falar mantenha àquela gente – disse para com os seus botões – só mesmo entrar e sair... 

Avançou-se para o grupo de mulheres grandes que estava na sala ao lado da varanda. Muito dignamente, apresentou-lhes os seus mais sentidos pêsames e desejos que Deus recolhesse aquela santa alma na Sua Graça Divina. “Amém!”, responderam as mulheres em uníssono, num lamuriante sussurro. Depois, ao mesmo tempo que se benzia aproximou-se do caixão colocado no meio da sala. Parou junto aos pés do defunto e ergueu as mãos para começar a sua conversa com o falecido. Nisto, engasgou-se com a emoção e foi assaltada por um ataque de tosse que lhe arrancou a dentadura postiça da boca, atirando-a para dentro do caixão. Tia Maninha, confusa com o que lhe acontecia, apanhou precipitadamente a sua dentadura e, metendo-a no bolso do vestido, saiu apressadamente do velório, em direcção a casa, sem sequer se despedir. “Credo! Cruzes! Quem é que me quer impedir de falar? Passa de largo!”, disse para consigo enquanto se persignava repetidas vezes. 

Chegou à casa do sobrinho ainda muito agitada com a cena que acabara de viver. Deixou-se cair numa cadeira e, enquanto enxugava com o lenço o calor que lhe escorria pelo rosto, contou à família a mofineza por que passara. Ninguém se atreveu a rir ao imaginar Tia Maninha naquela cena, pois a consternação dela era realmente profunda. O sobrinho, querendo mostrar que compartilhava a sua pena, perguntou-lhe curioso: 

- Mas tia, quem é que morreu? 

Tia Maninha arregalou os olhos e com o ar mais contrariado deste mundo respondeu: 

- Como é que eu sei, meu filho?! Nem sequer tive tempo de saber!
 

J'AURAIS VOULU...

Source: imagenes-de-amor.es



J’aurais voulu mon amour
Partir très loin
Oublier le chagrin
De ton vide
Effacer la mémoire du temps
Du temps éclair
Du temps d'un rêve

J’aurais voulu mon amour…
Me réveiller sur l’autre marge
Et croire que le passé
N’a été qu’un mirage

J’aurais voulu mon amour…
Bâillonner mon cœur
Etrangler cet amour
Qui me consomme
Rétif
Obsédant
Geôlier de mon âme
Amarre de ma mémoire
A un passé
Sans présent
Ni futur !

J’aurais voulu mon amour…
J’aurais voulu …
J’aurais voulu …
Mais où aller chercher la force
Si mon corps implore le tien
Et ma bouche réclame
Le baiser des adieux ?