Vista interior do Liceu Salvador Correia, hoje Muto Ya Kevela (Luanda) |
Dias há em que acordamos mais nostálgicos, a
tal ponto que até do futuro sentimos saudades...
Do terceiro ao quinto ano do liceu, a minha
sala de aulas era uma das salas das arcadas. Mais precisamente, a do meio da
ala que ficava no átrio em frente à Reitoria. Nos intervalos, raramente me
afastava da sala. Não era de grandes passeios, nos escassos 10 minutos que
separavam as aulas. Deixava-me estar na turma conversando com uma ou outra
colega ou, simplesmente, ia encostar-me a um dos pilares do corredor observando
à volta: colegas que passeavam pelos corredores, grupos que se divertiam em
amena cavaqueira, jogos no pátio, enfim tudo aquilo que se pode presenciar num
intervalo escolar.
Porém essas lembranças esvaneceram-se na minha
memória e, hoje, quando tento avivá-las, vejo tudo como num filme mudo
acelerado. Apenas uma recordação se conservou nítida: uma parede amarela com
manchas pretas, provocadas pela humidade. Era o canto superior da parede do
Salão Nobre, que dava para o mesmo átrio que a minha sala de aulas, na
extremidade da cantina.
Perguntar-me-ão: Porquê esse detalhe tão
preciso? É certo que os meus olhos passaram por ele muitas vezes, mas há muitas
mais coisas que devo ter visto o mesmo número de vezes. Só pode haver uma
explicação: foi, sem dúvida, por um dia ter olhado para essa parede cheia de
saudades do futuro... Recordo-me perfeitamente do momento em que fotografei na
minha mente essa imagem, depois de me ter perguntado como, um dia, poderia
simbolizar as minhas lembranças de todos os anos passados naquela casa. Foi
então que me apercebi pela primeira vez desse detalhe naquela parede e, num
flash, condensei nele as recordações que eu teria, no futuro, do meu liceu.
Nesse preciso momento, realizei o quanto efémera era a nossa passagem pelo
liceu, enquanto ele permanecia majestoso, geração após geração, formando os pilares
de outras construções do Amanhã. Eu iria partir, mas aquelas paredes ficariam
ali para sempre, acolhendo novas levas de jovens, como já vinha fazendo havia
algumas décadas.
Para sempre? Naquele momento, estava segura que
sim! Como abalar algo tão sólido como aquelas paredes robustas, assentes sobre
os alicerces do saber? Nem a mancha escura na parede me deixou suspeitar o quão
frágil o tempo e a História tornariam aquele edifício, ele pela usura e ela
pelo destino.
Apenas uma coisa deve ter permanecido com o mesmo
vigor, continuando a cristalizar recordações dos que entretanto por lá foram
passando: um canto de parede amarela manchada de preto...
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